Poemas experimentais – biotipo

Sou o que me descreve.

As canções. Feitas para mim. Que são todas com as quais me identifico. As melodias que minha alma valsa. O estranho som. O eclético. Aquela que me difama. Silêncio. Estrondo. Contradição.

Os poemas. Que não escrevi. E recito. Como se fossem a minha voz. O desarranjo das palavras que soletro no papel. Amando ou indignando. O verso. A métrica. O escândalo.

As pessoas. Que me envolvem. Com todos os abraços. As que afastam. Os braços. No trânsito sou um rosto. Sem expressão. O espanto. Medo. Reação.

Os objetos. Dispostos na estante. Engavetados. Adornos. Restos de mim jogados no lixo. A roupa que me tira a nudez. Sou pudor.

A solidão. Um rosto na multidão. Sou todos. Não estou sozinho.

A palavra. O singular e o plural. A mensagem que me chega. O poema compreendido. O protesto. O risco no espelho.

(GeraldoCunha)

Poemas experimentais – Nem tudo é flores

no jardim das poéticas

ervas daninhas, pétalas, rabiscos, espinhos, folhas secas, papel A4, joaninhas pintadas, nos galhos quebrados, cores de Almodóvar, ao som de Calcanhoto, poeira de vento, uma cigarra cantando, eu dançando, a natureza compondo, a terra sob a unha, o brotar, a gota de orvalho, o canteiro preparado, que rima com arado, o sol queimando, muitas borboletas, outrora indesejadas lagartas, a contradição, as palavras, mudas, enfileiradas, falam, outra contradição

tudo são flores

(GeraldoCunha)

(Título inspirado em minhas primeiras lições – na gramática concordância verbo ser – esta frase nunca saiu da minha cabeça, era a poesia me chamando)

Poemas experimentais – Flor e espinho

Desviados os espinhos

que protegem as flores

Às narinas o perfume

Aos olhos as cores

Ao toque a maciez

Se arrancada

mesmo ao ataque dos espinhos

A flor resiste

por menos tempo vive

Sangra a mão e a flor

Uma pelo egoísmo

A outra por ter sido violada

Quisera de longe

observar

sentir

imaginar

a delicada beleza

delicadeza

da seda cor veludo

Respeitando os espinhos

haveria jardins de jardins

(GeraldoCunha)

Série O poeta – Quanto custa um poema?

um lado de sorriso

rio lágrimas

centímetros de raiva

terça parte da alegria

longo olhar

trêmulos lábios

centelhas de paixões

novas amizades

soma em dinheiro

mãos que abraçam livros

com 20% de desconto

carretel de emoções

centenas de transformações

custa saudade

o preço de uma taça de vinho

o tempo do por do sol

uma passagem para a lua

sem sair da cama

(GeraldoCunha)

Desempoeirados poemas- Cores

Série O poeta – Bloquinho

Folheadas as páginas

do bloquinho de anotações

carregado no bolso da camisa,

amassado, macerado pelo tempo da escrita e das rasuras, observa o

branco contraste do ontem escrito com o cinza dos sentimentos que não afloram. O papel não segura o risco do grafite.

O poeta descansa o toco do lápis no canto da boca,

olha para o horizonte, enxerga um infinito sob a copa das árvores, respira, fecha o bloquinho, o recoloca no bolso e volta a caminhar.

Caminhar hoje é a poesia.

(GeraldoCunha/2022)

Série sentimentais – É preciso

Série desempoeirados poemas – Aos mestres com amor

Série de improviso- Seja feliz

Seja!

Arraste os móveis para o canto

(Quem nunca pensou nisto?)

Assente a vergonha na cadeira mais distante.

E dance!

(Quem nunca fez isto, que atire a primeira flor)

Ligue o som, apague a luz

e…

Seja

Feliz.

Você.

e

não se julgue.

Assente os preconceitos nas cadeiras (aquelas que estão ao lado da vergonha).

Se for da ousadia,

Abra a porta e os expulse junto com a vergonha!

(GeraldoCunha/2022)

Ilustração GeraldoCunha

Série improváveis – Traços

Não persiga a beleza fugaz.
Não busque a perfeição
[dos traços.
Alcance a delicadeza dos sentimentos,
transmitidos pelos riscos na pele.
Deseje conhecer os segredos de cada uma das cicatrizes
e ame, ame, ame… o que nelas é representação de um trajetória:
Pois o final é só o não existir de quem vai,
sustentado pela saudade de alguns que ficam.

(GeraldoCunha/2022)

Série cotidianos – Cultivo

A planta que você me deu morreu!
Penso que teve todos os cuidados de minha parte.
Mesmo assim, foi definhando e morreu. Eu me penitencio, faço auto julgamento. E não entendo.
Escolhi o melhor lugar, para colocar o mais bonito vaso, que chegou inundando dos afetos.
Talvez tenha havido excessos para mais? Se me permite a redundância.
De água, de adubo, de carinho. Dizem que carinho pode sufocar, disto não sei! Sigo acarinhando!
Pode ser que tenha sido excesso para menos. E nem sei se excesso é conta que se faça para menos!
O menos de água, o pouco do revolver a terra, o abandono pelas ausências sem aviso prévio, falta de ar das janelas fechadas. Conquanto tudo isto, carinho de menos não teve! Meu olhar sempre foi de alegria, a cada encontro e reencontro. Satisfação com as conquistas, uma folha que surgia, motivo de comemoração. A tentativa da flor, êxtase. Não bastou. Mesmo no silêncio da resposta conversava, tentava compreender, pelos gestos, no movimento das folhas.
Se falhei foi culpa dos excessos, para mais e para menos. Reconheço os meus excessos.
Sigo, tentando encontrar o ponto de equilíbrio!

A planta de você me deu morreu!
Mas antes de partir me deixou uma pequena mudinha, que ainda insisto em cultivar!

Escrevo este desabafo em forma de poema
e deixo publicado em um livro!
Porquê você também não está mais aqui.

(GeraldoCunha/2022)